domingo, 2 de outubro de 2011

Não ter, não ter...

Com a facilidade em buscar imagens na internet, volta e meia me pego revendo coisas relacionadas aos anos 80 - a minha década - o meu tempo.
Naquele tempo... É, me pego falando como gente vivida, experiente, como meus pais falavam e começo uma "viagem" a um tempo que me pertence, as minhas lembranças.
Sou filha única, porém não eram tempos de fartura financeira e também nunca soube o que era "não ter" o necessário. Fui criada em meio aos adultos, pois quando nasci mamãe tinha 40 anos e os filhos das amigas delas já estavam bem crescidinhos. 
Tive alguns brinquedos legais, mas não tive todos os que quis. As bonecas eram bem paradonas, então eu gostava mesmo de montar o ferrorama no meio da sala, gostava de carrinhos e brinquedos movidos à pilha.
Posso listar os que tive e foram mais legais: o ferrorama, um revólver, aquaplay, pianinhos, vídeo game, bicicleta, o meu bebê- aquele que só tinha uma tochinha de cabelo. Tive pogo-bol, jogos de tabuleiro, bolas, raquetes e etc.

Posso listar os que quis muito mas não tive: autorama, o robô Ar-tur, gênius, bicicleta caloi cross, patins, som 3 em 1.
Claro que diante do "não ter" um brinquedo que queria muito me sentia triste, mas era uma criança feliz que não se abatia facilmente. Esse tipo de lembrança não me machuca, e consigo me orgulhar te ter aproveitado a felicidade da infância, propiciada pelo ambiente, por pessoas que faziam parte da minha vida. Eu sabia, não sei exatamente como, que o ser era infinitamente mais importante que o ter. E eu era o que queria ser, e eu vivia a vida que queria ter.
Quando tinha uns oito anos as coisas começaram a ficar complicadas. Meu pai teve problemas com alcoolismo e minha casa era um inferno, sem violência física mas com muita violência verbal. 
A pessoa que mais me dava suporte era minha madrinha que descobriu um cãncer e morreu nesse mesmo tempo- setembro de 1985. Meu mundo caiu, mas só me dei conta com o passar dos dias e dos anos.
Nessa época, a paz para mim já era mais importante que qualquer brinquedo e ter isso ou aquilo não me fazia melhor ou mais feliz. Notei então que ter alguém é bem mais difícil do que ter um brinquedo, pois é preciso sentir e acreditar.
Meus tios e primos nunca se importaram comigo, talvez pela diferença de idade ou distância emocional que tínhamos e temos e teremos.
Um dia de cada vez e os tempos difíceis já faziam parte do passado. Com muito trabalho, conseguimos recuperar meu pai e formamos uma familia pequena e feliz, agora já não somos mais aquelas pessoas de 1985... somos o que podemos ser. Quando falo da infância que tive, me refiro até 1985, no entanto meu rendimento escolar nunca diminuiu e sempre tive facilidade e gosto em aprender e sempre soube separar as coisas. 
Outros tempos vieram e eu pude ter coisas que na década de 80 nem sonhava ter e mais uma vez pude comprovar que juntar coisas não me faz mais feliz do que juntar pessoas, mas esta é uma dificuldade que tenho, não as sinto perto, não as sinto se importando comigo, salvo raras exceções.
Desde que me conheço abominava bebida alcóolica que destrói tantos lares, inclusive o meu que levou tempo para ser reconstruído, não sem deixar suas marcas. Quis o destino que durante minha estada na Bahia num período em busca de mim mesma, me descobrisse fascinada por vinhos. 
Fui morar na Bahia totalmente aberta para o novo, para algo que não conhecia pois isso me faltava... me faltava paixão pela vida, pela minha vida.
Busquei trabalho em recepção de hotel, mas o que apareceu foi de vendedora em loja de vinhos. Pensei em recusar, pensei seriamente. Era um mundo que eu desconhecia e minhas referências, minhas experiências não eram tão boas.
Aceitei e foi o primeiro emprego que tive gosto em ter. Aprendizado intenso. Hoje não me imagino fazendo outra coisa senão tudo o que faço relacionado ao mundo do vinho. Encontrei nesse meio também bons amigos. O caminho que percorri foi esse. Nenhum caminho ou escolha é fácil, as dificuldades fazer parte, o desafio nos move o tempo todo. Algumas coisas permanecem num lugar intocado.




2 comentários:

elizabeth pinheiro disse...

Oi Flavia querida. Lendo a tua história, revivi um pouco da nossa aqui em casa. Meu marido tb encontrou seu "caminho" assim, no meio de uma situação inesperada. Deu super certo. Aliás, está, e com a graça de Deus, continuará dando certo. Espero que prá ti tb. Estou na torcida sempre. Beijo bem grandão, com saudade.

CathyJustusFisc disse...

Flávia, que bonito seu depoimento, gostei de sua biografia! Triste, mas nem por isso deixa de ser um exemplo de superação! Parabéns! :-)
Beijos mil